terça-feira, 7 de junho de 2011

O SOCIALISMO NA ORDEM DO DIA



Capitalismo e luta de classe (II)
por James Petras

Nos países imperialistas 'desenvolvidos' em estagnação, o estado tem vindo a atirar o custo total da 'recuperação' sobre os ombros dos trabalhadores e dos funcionários públicos, reduzindo o emprego, os salários e os serviços sociais, enquanto enriquece os banqueiros e a elite empresarial. Os EUA, a Inglaterra e a França têm assistido a uma aguda ofensiva de classe a partir de cima que, perante a fraca oposição de um aparelho sindical altamente burocratizado, tem derrubado muitas das conquistas sociais anteriores dos trabalhadores
[4] . Na essência, as lutas dos trabalhadores são defensivas, na tentativa de limitar o recuo mas falta-lhes a organização política de classe para contra-atacar as medidas orçamentais reacionárias que cortam os programas sociais e reduzem os impostos aos ricos, aprofundando as desigualdades de classe.

As lutas de classe mais intensas ocorreram nos países em que se verificam as crises econômicas mais profundas, nomeadamente, na Grécia, em Espanha, na Irlanda e em Portugal. Nestes países, a classe dirigente recuou meio século de conquistas sociais e de salários no decurso de três anos a fim de satisfazer os critérios dos banqueiros ocidentais e do FMI. A ofensiva de classe a partir de cima, liderada pelo Estado, tem enfrentado uma série de greves gerais, numerosas manifestações e montes de protestos mas tudo em vão
[5] . A elite industrial-estatal, liderada na maior parte dos casos pelos políticos sociais-democratas, privatizaram empresas públicas, cortaram milhões de empregos públicos, elevaram os níveis de desemprego a níveis históricos (Espanha 20%, Grécia 14%, Portugal e Irlanda 13%) e canalizaram dezenas de milhares de milhões para pagamentos da dívida [6] .

As crises têm sido aproveitadas pela classe dominante como arma para reduzir os custos da mão-de-obra, para transferir receitas para os 5% do topo da hierarquia de classes e para aumentar a produtividade, sem reativar a economia no seu todo. O PIB continua 'negativo' para o futuro previsível, enquanto que a austeridade corrói a procura interna,
e os pagamentos da dívida impedem o investimento local de reativar a economia.

As crises políticas dos regimes clientes árabes, rentistas, autocráticos e corruptos, manifestam-se nos movimentos democráticos populares de massas – na ofensiva – que derrubaram os regimes no Egito e na Tunísia, para começar, e desafiam o aparelho de estado pró-imperialista
[7] . No Egito e na Tunísia, foram derrubadas as autocracias pró-imperialistas mas ainda não estão no poder regimes democráticos populares que correspondam aos novos protagonistas de massas da alteração política. No resto do mundo árabe, surgiram revoltas de massas no Iemen, no Bahrein, na Argélia, na Jordânia, na Síria e noutros locais, contra autocracias imperialistas armadas, levantando o espectro de alterações democráticas e sócio-econômicas.

As potências imperiais, EUA e UE, inicialmente apanhadas desprevenidas, acabaram por desencadear um contra-ataque, intervindo na Líbia, apoiando a junta militar no Egito e tentando impor 'novos' regimes colaboracionistas para bloquear uma transição democrática
[8] . A luta de massas, influenciada pelas forças islâmicas e seculares, tem um claro programa de rejeição da atual situação política, mas, na falta de uma liderança de classe, não tem sido capaz de apresentar uma estrutura política e econômica alternativa para além de vagas noções de 'democracia' [9] .

Em resumo, o crescimento, acompanhado de um rápido aumento no rendimento nacional e de uma inflação crescente, tem sido muito mais mobilizador para a luta de classes ofensiva a partir de baixo do que as 'crises' ou a 'estagnação' que, quando muito, são acompanhadas por lutas 'defensivas' ou de retaguarda. Em parte, a teoria da 'privação relativa' parece adequada à idéia duma crescente luta de classes, mas esse tipo de luta é principalmente 'economicista' e visa menos o estado propriamente dito. Além disso, os métodos de luta são normalmente greves por salários mais altos. Isto é sobretudo evidente na Argentina, no Brasil, no Chile e no Peru, onde ocorreram intensas lutas por exigências economicistas diminutas. A exceção são as lutas da comunidade índia no Peru e no Equador contra as companhias mineiras estatais e estrangeiras que exploram e poluem as suas terras, o ar e a água.

No entanto, há várias advertências a fazer. A classe trabalhadora na Bolívia, que goza de um dinâmico e forte crescimento nas exportações
agro-minerais, lançou uma greve geral de dez dias (6 a 16 de Abril de 2011) pelos salários [10] . A prolongada greve no tempo acabou por levantar dúvidas 'políticas' sobre a legitimidade do regime de Morales nalguns sectores. Isto deve-se, em parte, ao fato de que os aumentos de salários são fixados pelo governo. Segundo a principal organização de trabalhadores (COB), os aumentos ditados pelo regime ficaram abaixo do aumento dos preços do cesto alimentar básico das famílias. Daí que, o que começou como uma luta econômica, acabou por se politizar. Da mesma forma, no caso do Peru, com uma dinâmica economia de exportação de minério, o regime neoliberal de Garcia enfrentou agudos confrontos econômicos e ecológicos com os mineiros e as comunidades índias. Na campanha eleitoral presidencial de 2011, a luta tornou-se fortemente política, com uma pluralidade de eleitores trabalhadores e camponeses a apoiar Humala, o candidato centro-esquerda [11] . Em países de alto crescimento, que dependem de grandes companhias mineiras de propriedade estrangeira e possuem substanciais comunidades índias, o conflito de classe alia-se a exigências ecológicas, de classe, nacionais e etnocomunitárias.

Por outras palavras, a distinção traçada acima entre lutas de classe ofensivas/defensivas e econômicas/políticas é fluida, está sujeita a alterações, consoante muda a luta e o seu contexto.

A terrível agudização da luta de classe numa China em forte crescimento reflete a crescente falta de trabalho nas regiões costeiras, os enormes lucros duma nova classe de multimilionários, a intensa exploração da mão-de-obra e a entrada de uma 'nova geração' de jovens trabalhadores com opções alternativas de trabalhar numa 'fábrica única'
[12] . A 'socialização' de grandes concentrações de trabalhadores em grandes fábricas, em proximidade estreita, facilita a ação coletiva. Profundas desigualdades, especialmente à luz do rápido crescimento dos capitalistas super ricos, ligados a funcionários políticos corruptos e a sindicatos irresponsáveis controlados pelo estado, levaram a uma 'espontânea' ação direta de classe [13] . O impacto radicalizador da inflação é evidenciado pelo surto duma greve de grande nível de caminhoneiros em Baoshan, o maior porto da China, em Xangai: os trabalhadores protestaram contra o aumento dos custos do combustível e das taxas portuárias. Segundo uma notícia, "Funcionários chineses alertaram para que a brusca alta de preços e a crescente inflação da corrupção oficial constitui a maior ameaça ao governo do Partido Comunista". ( Financial Times 4/23-24/11 p1)

As lutas sindicais orientadas politicamente apareceram recentemente na Venezuela, onde o governo de Chavez tem sublinhado o 'conteúdo operário' da 'revolução socialista bolivariana'. Isto encorajou os trabalhadores a entrar em greve nas empresas privadas para exigir a expropriação de capitalistas intransigentes assim como a alteração na gestão de empresas públicas substituindo tecnocratas burocráticos por trabalhadores
[14] .

A luta de classe menos desenvolvida passa-se nos Estados Unidos 'em estagnação'. Uma combinação da baixa densidade sindical (93% dos trabalhadores do sector privado não estão sindicalizados) com uma legislação laboral altamente repressiva e uma liderança sindical milionária auto-perpetuadora, totalmente dependente do Partido Democrático capitalista, inibem o desenvolvimento da consciência de classe, com excepção de algumas 'bolsas locais' de resistência
[15] . A rápida erosão dos salários tem sido acompanhada por uma exploração acrescida (menos trabalhadores e uma produção reforçada) e pela redução dos últimos vestígios da rede social (segurança social e planos médicos para a população acima dos 65 anos) [16] .

Podíamos argumentar que o alto rendimento per capita, só por si, não é uma razão bastante para pressupor um enfraquecimento da luta de classe, já que a França e a Itália normalmente têm mais greves gerais do que a Inglaterra apesar de o rendimento per capita ser mais alto. O que é fundamental são os laços institucionais entre os sindicatos e os partidos democráticos laborais/sociais, por um lado, e a livre associação de assembleias de trabalhadores nas fábricas, por outro. Nos EUA e no Reino Unido a estagnação e a reacção estão ligadas à subordinação da força de trabalho aos partidos neoliberais sociais-democratas/democratas, enquanto que em França e na Itália os sindicatos têm laços mais estreitos com as assembleias de fábrica e mantêm um grau mais alto de autonomia de classe
[17] .
Por outras palavras, não há uma regra de ferro que ligue formas
particulares da luta de classe ao dinamismo ou à estagnação da economia – o que tem que ser incluído é o grau de organização independente de classe capaz de elevar o nível da luta no meio das voláteis alterações económicas e políticas.

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