segunda-feira, 4 de novembro de 2013

A RECOLONIZAÇÃO DOS TERRITÓRIOS NA GLOBALIZAÇÃO NEOLIBERAL (I)



Gilberto López y Rivas*
“Partilhamos a aguda crítica de Valqui quando se refere a supostos marxistas que esperam o fim natural do capitalismo e o triunfo também natural da revolução e do socialismo, abstraindo dos sujeitos históricos e da crítica das armas, com um marxismo de cátedra, com circos eleitorais como esperança plurianual, o cretinismo parlamentar, em suma, com a conciliação de classes de uma amorosa república.”
Pablo González Casanova insistiu em que vivemos um processo renovado de dominação e reapropriação do mundo; uma recolonização através da ocupação integral dos nossos países, estruturada no âmbito nacional através de reformas constitucionais e legais, e através de disposições de facto, todas elas realizadas sem consultar a sociedade e os cidadãos em particular. No caso do México, destacam-se como exemplos dentro da primeira a reforma do artigo 27 da Constituição e das suas leis secundárias que puseram à venda as suas terras comunitárias e baldios, abriram os territórios a corporações estrangeiras e constituem, de facto, a ruptura da aliança social e do pacto político resultante de uma revolução armada que deu lugar à Carta Magna de 1917 e que custou ao país um milhão de mortos. Da segunda, reapropriação do mundo, temos O Tratado de Livre Comércio (TLC), a Aliança para a Segurança e a Prosperidade da América do Norte (ASPAN), e a Iniciativa Mérida, que violam gravemente a soberania econômica e política da nação sem que estes tratados e mecanismos de ingerência tenham sido aprovados pelo Congresso da União, para não mencionar a cidadania por eles afetada.
Estas políticas, ações e transformações, legalmente ou à margem da Lei mas impostas pelos governantes, ao aprofundarem e alargarem a ocupação refuncionalizaram as nossas nações, os seus territórios, os seus recursos naturais e estratégicos, tal como o patrimônio cultural dos nossos povos ao projeto transnacionalizador e hegemônico do «imperialismo coletivo» encabeçado pelos Estados Unidos [1], as suas forças dominantes e os sectores que nos nossos países patrocinam governos de traição nacional [2], que Marx identificava como os que perante uma invasão nacional sacrificam o dever nacional ao interesse de classe.
Por seu lado, Camilo Valqui, no seu livro Marx vive: Derrube do capitalismo, complexidade de uma totalidade violenta, propõe o conceito imperialização para descrever esta reconfiguração que pressupõe a transnacionalização neoliberal. Esta imperialização é definida como o predomínio econômico, político, ideológico e militar do capital monopolista transnacional que se estende e aprofunda: 1) nos recursos naturais e estratégicos do globo, na mega produção e nos mega mercados, 3) nos fluxos financeiros, 4) na investigação científica e tecnológica, 5) nas armas de destruição massiva e 7) nas organizações internacionais, como o Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU), por exemplo. Mas, paralela e dialeticamente a este predomínio, também devemos tomar em conta a sua contra-parte, isto é, o caráter pluridimensional da crise capitalista actual: económica, social, militar, política, geopolítica, moral, epistémica, cultural, intelectual, de alimentos, de matérias-primas, de energia e do ambiente.                                                              
Esta imperialização que num meu trabalho recente, «Estudando a contra-insurreição dos Estados Unidos: manuais, mentalidades e uso da antropologia», mantém a dimensão militar que denominei como terrorismo global de Estado [3] para caracterizar a política de violência perpetrada pelos aparelhos estatais imperialistas de âmbito mundial contra povos e governos, com o propósito de infundir terror e em violação das normas do direito nacional e internacional. Defendo que no estudo e análise do terrorismo se enfatizou o terrorismo individual e o de grupos clandestinos de todo o espectro político ignorando e deixando de lado o papel do imperialismo estadunidense e dos estados capitalistas na organização do terrorismo interno e de âmbito internacional. O terrorismo global de Estado violenta os marcos legítimos, ideológicos e políticos das repressão «legal» (a justificada pelo quadro jurídico internacional) e apela a «métodos convencionais», ao mesmo tempo extensivos e intensivos, para aniquilar a oposição política e o protesto social a nível planetário.
Valqui considera que a devastação mundial de seres humanos é própria do capitalismo desde o seu aparecimento, mas em pleno século XXI, com a transnacionalização actual exacerbou-se exponencialmente a violência sistêmica e o anti-humanismo que o caracteriza; sustenta que os processos de reprodução do capital e a sua procura insaciável do lucro são incompatíveis tanto com a vida humana como com a própria natureza, que este sistema destrói integralmente. Assim, o capitalismo transnacional é descrito como espoliador, despótico, predador, genocida e terrorista e vive-se numa verdadeira tragédia social, como o podemos constatar no nosso país. Isto é, na essência o capitalismo foi, é e será violência sistêmica [4]. Nessa direção, as descrições que faz Valqui da extração mineira, com a sua destruição do meio-ambiente, rios e lagoas, flora, fauna, vida humana, biodiversidade, para o caso do Peru, México, Chile, etc., constituem um material riquíssimo para fundamentar lutas contra a atividade mineira a céu aberto que, como em Morelos, ameaça territórios, especialmente os indígenas, de acordo com as investigações feitas pelo nosso colega Eckart Boege [5].
Por outro lado, a imperialização constitui uma forma nova de partilha do mundo entre os Estados Unidos, o Japão, a Alemanha, a Rússia e a China que pode levar a guerras inter-imperialistas. Apesar disso, como poder hegemônico em todo o planeta, os Estados Unidos instauraram a barbárie como processo devastador do gênero humano e da natureza. O terrorismo de Estado global, o terrorismo transnacional, conta com a cumplicidade da ONU e dos governos supostamente democráticos que, paradoxalmente, estabelecem uma democracia despojada de todo o conteúdo participativo, com permanentes violações dos direitos humanos, o que vem demonstrar que, historicamente, capitalismo e democracia são incompatíveis. A democracia tutelada pelo capitalismo estabelece, por isso mesmo, como principal suporte ideológico, uma ditadura mediática que impõe um pensamento único e um imaginário social que estimulam a reprodução de consumidores compulsivos, pessoas dóceis e opacas, obedientes concorrenciais, conformistas, individualistas, narcisistas.
Na análise desta reconfiguração mundial existem com Valqui outras coincidências: por exemplo, considerar o crime organizado, a economia mafiosa, ilícita e criminosa como outras formas de acumulação do capital transnacional parasitário, ao qual se atribui 5% do PIB global. O dinheiro denominado sujo vai parar aos grandes megabancos e empresas financeiras.

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