domingo, 3 de maio de 2015

O LEGADO DA MONSANTO

Agente Laranja: o legado fatídico dos EUA no Vietnã

Helicóptero militar dos EUA despeja agente laranja no Vietnã durante a guerra ocorrida no país. Efeitos duradouros (Wikimedia Commons)
por Deutsche Welle
Durante dez anos, Força Aérea americana bombardeou o país asiático com toxinas poderosas. Seus efeitos vão de câncer a malformações físicas e mentais
O codinome "Operação Ranch Hand" (ajudante de fazendeiro) soa bastante inócuo. Mas nada poderia estar mais longe da verdade: sob essa capa, de 1961 a 1971 foram despejados cerca de 80 milhões de litros de herbicidas e desfolhantes sobre o Vietnã do Sul.
Visando destruir as safras do inimigo e dizimar as selvas em que se escondiam os vietcongues e o Exército do Vietnã do Norte, cerca de 16% do território do país foi bombardeado com toxinas.
Entre elas, a mais utilizada era a dioxina, apelidada agente laranja. Os pilotos da Força Aérea dos Estados Unidos o despejavam abundantemente sobre a vegetação, na proporção de até 14 quilômetros em menos de cinco minutos. E, desse modo, criaram um problema cujas raízes não eram imediatamente visíveis: o impacto dessa carga tóxica sobre a saúde.
Passou-se a pesquisar uma possível correlação nos anos seguintes aos bombardeios químicos, quando tanto veteranos de guerra americanos como a população vietnamita começaram a acusar taxas elevadas de câncer, distúrbios digestivos, respiratórios e epidérmicos – assim como abortos espontâneos e crianças com defeitos congênitos.
O exame das especificações do agente laranja não forneceu indicações sobre nada capaz de provocar tal catálogo de sintomas. Porém, a análise minuciosa de amostras de produção demonstrou que o principal composto patogênico poderia ser um subproduto da dioxina.
Exatos 40 anos após o fim da guerra que, calcula-se, matou 3 milhões de pessoas, as questões relativas à potência e alcance dessa substância tóxica seguem em aberto. E são cada vez mais difíceis de responder, à medida que nascem no Vietnã uma segunda e, agora, uma terceira geração de crianças apresentando alta incidência de deficiências como síndrome de Down, paralisia cerebral e desfiguração facial extrema.
Jeanne Mager Stellman, especialista da Universidade de Colúmbia no uso do agente laranja e outros herbicidas durante a Guerra do Vietnã, vem se engajando há décadas pelo reconhecimento das implicações das dioxinas. No entanto, ela se queixa que a falta de pesquisas abrangentes dificulta muito definir com precisão a natureza de uma das substâncias mais tóxicas conhecidas.
"Apesar de toda a certeza que todos associam às enfermidades e defeitos congênitos constatados, não conseguimos definir de fato quais são os impactos de longo prazo", comenta. "O Agente Laranja faz soar o alarme, mas os outros herbicidas usados não eram benignos."
Ela cita o Agente Azul, que contém arsênico e inibe a absorção do ácido fólico – forma da vitamina B cujo consumo é aconselhado às grávidas para assegurar o bom desenvolvimento fetal.
Richard Guthrie, analista de técnicas da guerra química e biológica, confirma que é importante não esquecer os efeitos dos agentes Azul e Branco, ambos também despejados sobre o Vietnã a partir de 1966.
Ao mesmo tempo, porém, ele se diz convencido de que o Agente Laranja teve impacto duradouro sobre a saúde da população vietnamita. Guthrie também considera "muito plausível" a dedução de que a dioxina seja a causa direta dos defeitos congênitos documentados até hoje no país.
Nick Keegan, diretor de desenvolvimento econômico da Fundação Kianh, no Vietnã, não concorda inteiramente. Ele trabalha com crianças excepcionais do distrito de Dien Ban, onde elas são mais de mil, numa população total de 200 mil. Há indícios de que a área sofreu bombardeios pesados durante a guerra.
Segundo ele, mesmo os pais atribuem as deficiências a causas diferentes. "Temos lidado com famílias que acreditam que [as deficiências] sejam diretamente relacionadas ao Agente Laranja. Mas algumas, por razões culturais ou espirituais, acham que tiveram má sorte."
Ainda assim, Keegan admite que a alta incidência e os dados históricos o levam a parar e pensar, para "questionar os fatores contribuintes".
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), uma vez que as dioxinas penetram no corpo, elas perduram por muito tempo, devido a sua estabilidade química e capacidade de serem absorvidas pelo tecido adiposo. Isso lhes confere uma meia-vida – o tempo necessário para sua concentração no organismo se reduzir à metade – de sete a 11 anos.
Jeanne Stellman diz que essa dissolução gradual torna a pesquisa ainda mais difícil. Ela insiste que a questão científica crucial sobre a dioxina é se ela exerce efeitos epigenéticos – alterações ao DNA e, possivelmente, ao RNA – que não são mutações, mas sim outras mudanças na estrutura química.
Essencial é também saber se essas mudanças podem ser transferidas de uma geração para a seguinte. "No caso do Vietnã, quanto dessa alteração epigenética transita pela linha paterna e é herdável?", indaga a pesquisadora da Universidade de Colúmbia.
Entretanto, ela também enfatiza a necessidade de considerar outros fatores – como subnutrição, estresse, moléstias parasitárias e o atual emprego de pesticidas –, ao tentar compreender os padrões relacionados aos defeitos congênitos. Em alguns desses casos, já foram estabelecidas conexões.
Entretanto uma pesquisa abrangente seria única maneira de entender exatamente o que está acontecendo no Vietnã e até que ponto o Agente Laranja é um fator nas deficiências infantis, defende Jeanne Stellman. Isso não exigiria investimentos significativos, mas sim engajamento político. E ele é insuficiente.
"Há bloqueio intencional por parte de alguns elementos do governo dos Estados Unidos", acusa, apontando também a presença de "forças potentes" opostas a uma investigação abrangente no Vietnã. Como exportador de peixe-gato e outros gêneros alimentícios, aquele país do Sudeste Asiático não quer dar ao mundo a impressão de estar poluído com dioxina.
Diante desse contexto, ela questiona se os estudos necessários jamais chegarão a ser realizados. "Quanto mais esperamos, mais difícil a coisa se torna. Enquanto todo o mundo discute 'quantos anjos cabem na cabeça de um alfinete', ninguém está abordando a questão básica, em si. É tudo uma enorme tragédia humana."
Fonte: Carta Capital

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